Como funciona o termo de consentimento na telemedicina?

Tradicionalmente, o atendimento do paciente ocorria de forma presencial, mas os avanços tecnológicos possibilitaram a adoção de novos recursos e a prestação de serviços de saúde a distância, no intuito de promover e garantir amplo acesso à saúde.

Diante da virtualização desse atendimento, conhecemos a telemedicina – que é o “exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde”.

Com a utilização cada vez mais intensa das tecnologias de informação e comunicação na área da saúde, passa a ser necessária mais reflexão sobre o consentimento informado e as relações entre o paciente e o profissional da saúde, assim como os riscos e as implicações éticas e legais.

E é sobre esse assunto que iremos falar um pouco mais no texto a seguir. Iremos explorar o conceito de termo de consentimento médico, o resguardo do médico, as normas de elaboração do termo e sua necessidade. Continue lendo para poder saber mais sobre o assunto!

O que é um termo de consentimento médico?

Nas questões relacionadas à confidencialidade das informações prestadas, é fundamental a utilização do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) – “documento que visa proteger a autonomia dos pacientes, no qual atestam estar cientes de suas condições, como sujeitos de pesquisa ou submetendo-se a procedimentos médicos considerados invasivos”. A decisão é voluntária e dada por pessoa capaz e autônoma, após fornecimento de todos os esclarecimentos necessários.

Na assistência à saúde, o usuário deve estar informado quanto às limitações e inovações pertinentes a esse tipo de atendimento, quando comparado ao convencional. Esse documento torna o paciente ou seu representante legal ciente de sua condição clínica, prognóstico, efeitos adversos, riscos e alternativas de tratamento. Uma informação pertinente a determinado paciente só poderá ser revelada aos profissionais envolvidos no atendimento se for autorizada pelo paciente ou familiar, mediante a assinatura no consentimento esclarecido.

A importância de instituir o uso do TCLE respeita a vontade e os direitos do usuário e chama a atenção do profissional responsável pelo atendimento para a responsabilidade jurídica de seus atos, pois os profissionais que utilizam a telemedicina são responsáveis diretos pelo paciente, mesmo com o seu consentimento.

Como o médico e o paciente ficam resguardados com o termo de consentimento?

Pela leitura literal da Resolução nº 1.643/2002, o consentimento do paciente restringe-se à transmissão de dados, tendo em vista a ausência de previsão expressa quanto à necessidade de obtenção do consentimento do paciente quanto à submissão ao atendimento na forma remota. Há, ainda, disposição de que “o médico tem liberdade e completa independência para decidir se utiliza ou não recomenda o uso da telemedicina para seu paciente, e que tal decisão deve basear-se apenas no benefício do paciente’’.

O Código de Ética Médica veda que o médico deixe de “de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. Há de se considerar também que, conforme dispõe a Recomendação nº 01/2016 do CFM, o princípio de respeito à autonomia “tornou-se, nas últimas décadas, uma das principais ferramentas conceituais da ética aplicada, sendo utilizado em contraposição ao assim chamado paternalismo médico”.

Quais são as normas de segurança que precisam ser seguidas para elaboração do termo?

No termo de consentimento livre e esclarecido para a prática da telemedicina, deverão constar informações sobre os benefícios esperados e os possíveis riscos associados à utilização da tecnologia. Acima de tudo, o médico precisa expor claramente ao paciente quais as diferenças na prestação do serviço médico a distância em relação ao atendimento presencial, para aquele paciente e caso específicos. Após repassadas todas as informações necessárias, ainda é imprescindível um diálogo entre o médico e o paciente, no intuito de que aquele se certifique que este compreendeu tudo que lhe foi transmitido.

Na telemedicina há também a necessidade de consentimento para o tratamento dos seus dados sensíveis, com informações sobre a finalidade da utilização destes dados, os riscos de tratamento irregular dos dados ou acesso ilícito de terceiros. Deve-se levar em consideração que, na telemedicina, o profissional da saúde utiliza as informações eletrônicas do paciente em rede, especialmente os seus dados sensíveis – tais como exames médicos e outros dados de saúde – e, enquanto realiza o atendimento remotamente, analisa-as constantemente.

A LGPD segue, como regra, a necessidade de consentimento do titular para que ocorra o tratamento de dados sensíveis (art. 11, I). Para os fins da lei, considera- se como consentimento “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada” (art. 5º, XIII).

Interessante observar que, na hipótese de mudanças da finalidade para o tratamento de dados pessoais não compatíveis com o consentimento original, “o controlador deverá informar previamente o titular sobre as mudanças de finalidade, podendo o titular revogar o consentimento, caso discorde das alterações” (art. 9º, § 2º).

A LGPD é clara, ao longo de diversos dispositivos, sobre um ponto extremamente relevante: o consentimento deve ser atrelado a alguma finalidade.

As disposições da LGPD, no que diz respeito à necessidade de consentimento específico do titular de dados para cada finalidade determinada no tratamento destes dados, segue a mesma lógica indicada nos artigos 32 e 33 da RGPD:

Artigo 32: (…) O consentimento do titular dos dados (…) deverá abranger todas as atividades de tratamento realizadas com a mesma finalidade. Nos casos em que o tratamento sirva fins múltiplos, deverá ser dado um consentimento para todos esses fins.

Artigo 33: (…) Os titulares dos dados deverão ter a possibilidade de dar o seu consentimento unicamente para determinados domínios de investigação ou partes de projetos de investigação, na medida permitida pela finalidade pretendida.

Apesar da regra geral estampada na LGPD sobre a necessidade de consentimento no tratamento de dados sensíveis, o consentimento é dispensado nas hipóteses em que for indispensável para a tutela da saúde do próprio paciente (art. 11, II, “f”). Ademais, o fim do uso em prol do paciente permite que esses dados anonimizados dispensem consentimento e sejam mantidos para fins de estudos (art. 16, II).

Nesse sentido, segundo os ditames da LGPD, o médico que atende o paciente por telemedicina não precisaria obter o consentimento para o tratamento dos seus dados de saúde na tecnologia para o atendimento por telemedicina.

Todavia, as referidas exceções ao consentimento na LGPD – que possuem previsão similar na RGPD – precisam ser interpretadas restritivamente e com certa cautela. Assim, o consentimento livre e esclarecido do paciente, no emprego da telemedicina, deve incluir “a autorização para o uso, por exemplo, fotografias, filmagens ou de outros registros, inclusive históricos de conversas ou outros dados obtidos e potencialmente transferíveis a terceiros”.

Por que ele se faz tão necessário?

Destaca-se que, apesar da dispensa ao consentimento nos casos acima elencados, a lei é clara quanto à necessidade das atividades de tratamento de dados pessoais observarem a boa-fé e o princípio da transparência, no art. 6º, inc. VI, in verbis: “transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial”. Assim, exige-se que o médico repasse ao paciente informações sobre o tratamento dos seus dados, tanto no que se refere à finalidade e com quem serão compartilhados esses dados como ao fato de que os dados de saúde permanecerão anonimizados dentro da tecnologia cognitiva, a fim de aprimoramento e pesquisas científicas.

Assim, insta salientar, que o consentimento livre e esclarecido do paciente, no que se refere ao tratamento de dados na telemedicina precisa ser específico a uma determinada finalidade, incluindo a autorização para o uso, por exemplo, de fotografias, filmagens ou de outros registros, inclusive históricos de conversas ou outros dados obtidos e potencialmente transferíveis a terceiros.

Texto publicado originalmente em: Metareports

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